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Acumulação de cargos públicos: visão da Administração Pública Federal e dos Tribunais Superiores


A acumulação de cargos, empregos ou funções públicas consiste em situação na qual o servidor público ocupa mais de um cargo, emprego ou função pública ou, ainda, percebe proventos de inatividade (aposentadoria) de forma concomitante com a remuneração de cargo, emprego ou função pública da administração pública direta ou indireta.


A regra geral em relação a esse tema é que não é possível a acumulação. Somente poucas situações são admitidas: dois cargos de professor; um cargo de professor com outro técnico ou científico; dois cargos privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas. A isso some-se a necessidade de os horários de ambos os cargos, empregos ou funções públicas serem compatíveis, significando dizer que a jornada de um não é incompatível com a do outro, não se sobrepõem.


A compatibilidade verifica-se também pela presença de intervalos adequados para repouso, alimentação e locomoção entre um e outro local.


O fato de o servidor exercer o comércio, exceto como acionista, cotista ou comanditário, ou ainda participar de gerência ou administração de empresa privada ou sociedade civil, igualmente configura acumulação indevida, àa teor do que dispõe o art. 117, inciso X, da Lei nº 8.112/90


Na esfera federal, o entendimento prevalecente era de que o limite de jornada semanal não poderia extrapolar 60 (sessenta) horas e, ainda, que necessário intervalo entre as jornadas de, no mínimo, 11 (onze) horas, tudo com base no Parecer GQ-145 da Advocacia Geral da União, com caráter vinculante para os entes da Administração Federal Direta e Indireta.


Quando a acumulação ilegal não se reveste de má-fé, é possível ao servidor público optar por um dos cargos, empregos ou funções, regularizando a situação a partir daí. Entretanto, se na apuração resultar demonstrada a má-fé, o servidor está sujeito á aplicação da pena de demissão, após a conclusão do inquérito administrativo.


A Advocacia Geral da União, por meio do Parecer Normativo AGU GQ-145, vigente desde 1998, que vinculou a administração federal, orientava então no sentido de que “a acumulação de cargos públicos exige compatibilidade de horários para ser considerada legal, sendo o limite máximo do somatório das jornadas de trabalho 60 horas”.


Esse, em linhas gerais foi o quadro que se manteve desde a edição do referido Parecer da AGU, embora um ou outro pronunciamento judicial se desse em sentido diverso.


O Superior Tribunal de Justiça inicialmente possuía entendimento contrário ao Parecer GQ 145 da AGU, mas no julgamento do MS 19.336/DF, publicado no DJE em 14/10/2014, passou a adotar o mesmo entendimento, de forma a limitar a 60 horas semanais a jornada acumulada, com base na otimização do serviço público, que depende do descanso adequado do servidor público. Cristalizou-se então a ideia de que a acumulação de cargos, empregos ou função pública seria ilegal, passível de punição portanto, se envolvesse jornada total superior ao fixado no Parecer da AGU e no posicionamento do STJ aqui trazido.


Entretanto,embora sedimentado um entendimento judicial ou administrativo, a evolução administrativa e das relações de trabalho implicam mudança do pensamento original e, então, por conta disso, aquilo que antes era classificado como uma conduta ilícita, passível de penalização, sofre algum temperamento, de forma a se admitir a desclassificação da conduta, afastando a natureza infracional. Isso aconteceu justamente com o tema aqui mencionado - acumulação indevida de cargos, empregos ou funções públicas- que, apesar da interpretação administrativa e judicial de longa data vigente que estabeleceu o teto de 60 horas semanais trabalhadas, veio a sofrer significativa mudança há pouco tempo, para admitir a possibilidade de demonstração de que a referida acumulação acima desse limite não implica ilicitude, necessariamente.


A compatibilidade de horários é exigida porque naturalmente que o exercício de mais de um cargo não pode ser concomitantemente, pois nessa hipótese o servidor estaria a receber por dois cargos, empregos ou funções que desenvolveria no mesmo horário e certamente num deles não teria como fazê-lo, o que implicaria prejuízo à Administração Pública e impossibilidade de exercício de ambos os cargos ou empregos ocupados. Mas não há mais um limitador de forma estática.


Conforme acórdão do Superior Tribunal de Justiça, exarado no REsp 1767955/RJ, divulgado no DJe de 3/4/2019, a 1ª Seção daquele Tribunal Superior retomou entendimento seu entendimento inicial e, com base em julgamentos do Supremo Tribunal Federal, passou novamente a entender como indevida a orientação do Parecer GQ 145 da AGU, que limitou na esfera federal a jornada cumulada dos servidores em 60 horas semanais e, assim, admitiu a demonstração da ausência de prejudicialidade na acumulação, desde que haja compatibilidade de horários e ainda que superior a 60 horas semanais.


Como se vê, em processo administrativo disciplinar que apure a eventual acumulação de cargos, há agora espaço para a demonstração da regularidade no caso concreto, sem que a jornada esteja limitada necessariamente a 60 (sessenta) horas, cabendo aí a demonstração da regularidade, por meio de atuação jurídica adequada, para a elaboração de defesa consistente, atualizada e apta a desconstituir a acusação, que nesse caso, lembramos, se processa pelo rito sumário.


Assim, vê-se que a interpretação, seja judicial ou administrativamente, é um dos elementos fundantes do trabalho do advogado administrativista que, na atuação em Processos Administrativos disciplinares, deve procurar conformar o caso de seu cliente ao entendimento que lhe for favorável na esfera judicial, consoante, por exemplo, a jurisprudência aqui referida. A expertise do advogado e a orientação jurídica que ele proporciona são elementos fundamentais para garantir a melhor defesa aos acusados em processos de natureza administrativa, bem como uma decisão administrativa mais justa, o que pode garantir a melhor justiça ao servidor. Na dúvida, consulte um advogado de sua confiança, familiarizado com a área administrativa, no que chamamos de processos administrativos sancionadores.


Natália Fgueiredo é sócia da Figueiredo Law Advocacia. Diretora de Projetos da Rede Woman in Antitrust. Coordenadora do Núcleo de Direito Concorrencial da Escola Superior de Advocacia de São Paulo.

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