Preços abusivos: consequências no Direito do Consumidor e no Direito Concorrencial
Junto com a pandemia do Covid-19, houve um aumento expressivo do número de denúncias com relação à prática de preços abusivos por estabelecimentos comerciais. Em São Paulo, o Procon registrou mais de 2500 denúncias desde o início da pandemia em março, o que representa um aumento de mais de 900% com relação ao período pré-pandemia. Ademais, o Procon-SP informou que já aplicou mais de R$ 3 milhões em multas por práticas abusivas, em desconformidade com o Código de Defesa do Consumidor.[1]
Não somente órgãos consumeristas como o Procon têm recebido denúncias de preços abusivo no atual cenário. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), responsável, dentre outros, por julgar infrações da ordem econômica, abriu recentemente investigação no setor de produtos médicos e farmacêuticos a fim de averiguar se empresas estariam aumentando preços e lucros de forma abusiva diante da elevada demanda motivada pelos cuidados com o Covid-19. Empresas do setor de saúde tais como hospitais, laboratórios, farmácias, distribuidores e fabricantes de máscaras cirúrgicas, álcool gel, e fabricantes de medicamentos para tratamento dos sintomas do COVID-19 serão oficiadas para prestar informações ao CADE.
A prática de preços abusivos pode ser caracterizada tanto como uma infração consumerista como uma infração antitruste/concorrencial.
Do ponto de vista do Direito do Consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, veda ao fornecedor de produtos ou serviços a elevação sem justa causa do preço de produtos ou serviços. Do ponto de vista do Direito da Concorrência/Antitruste, a Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011), em seu art. 36, inciso III, estabelece que atos que tenham por objeto ou possam produzir o aumento arbitrário de preços constituem infração da ordem econômica.
No entanto, a caracterização do preço abusivo como uma infração legal não é algo simples. É necessário que haja cautela nesse tipo de investigação para que a atuação do Estado não resulte em controle indevido de preços.
Sob o viés do Direito do Consumidor, somente será considerado prática abusiva a elevação de preços sem justa causa. Isso ocorre, por exemplo, quando o fornecedor abusa de seu poder econômico ou adota uma postura de deslealdade que gera desvantagem exagerada ao consumidor ou desequilíbrio significativo entre consumidor e fornecedor.
Nesse sentido, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em Nota Técnica que orienta o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor para análise de preços abusivos, afirmou que “tendo em vista a autonomia dos fornecedores para alterar os preços cobrados pelos seus produtos e serviços, resta a análise caso a caso de abusividades em situações de excepcional vulnerabilidade como a do Covid-19 pelos órgãos de defesa do consumidor, a fim de avaliar a eventual abusividade dos aumentos incidentes sobre produtos e serviços.”[2]
Do ponto de vista do Direito da Concorrência, a prática de preços abusivos sempre deverá estar atrelada a um agente com posição dominante. De acordo com a legislação concorrencial, presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.
Também sob o ponto de vista concorrencial, a investigação de preços abusivos é delicada, sendo, na prática, difícil estabelecer um limite entre o que é abusivo e o que não é. De todo modo, para aquelas infrações que forem cometidas especificamente no período de pandemia, será importante verificar a série histórica dos preços juntamente com a série histórica de sua cadeia produtiva, incluindo a matéria prima, para saber se houve aumento desproporcional de preços.
A empresa que pratica preços abusivos fica sujeita a sanções administrativas, sendo a multa a mais comum delas, sem prejuízo de eventuais sanções de natureza civil e penal. As multas administrativas no âmbito do Direito do Consumidor podem variar de duzentas a três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), ou índice equivalente que venha a substituí-lo.[3] Já as infrações da ordem econômica, sujeitam as empresas infratoras a multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração.
Por fim, importante mencionar que a prática de preços abusivos pode ser investigada também na esfera penal. O aumento arbitrário de lucros pode ser considerado crime contra a economia popular. Nesse sentido, o art. 3º, VI, da Lei n. 1.521/51 prevê que são também crimes desta natureza “provocar a alta ou baixa de preços de mercadorias, títulos públicos, valores ou salários por meio de notícias falsas, operações fictícias ou qualquer outro artifício”, o que sujeita o infrator à pena de detenção, de 2 (dois) anos a 10 (dez) anos.
Como se pode verificar, a prática de preços abusivos pode ser penalizada em diversas instâncias. Considerando o número de denúncias efetuadas, o consumidor parece estar atento a esta prática sobretudo em um contexto de pandemia. Dessa forma, do ponto de vista dos estabelecimentos comerciais, a prática de preços desproporcionais com relação ao período pré-pandemia deve, no mínimo, ser respaldada por uma racionalidade econômica, e não pode resultar em uma desvantagem exagerada ao consumidor ou desequilíbrio significativo entre consumidor e fornecedor. Do contrário, o empresário poderá enfrentar problemas junto a Procons, ao CADE e até mesmo junto à Polícia.
[1] “Procon-SP: multas por preços abusivos ultrapassam R$ 3 milhões.” Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/noticias-coronavirus/procon-sp-multas-por-precos-abusivos-ultrapassam-r-3-milhoes/. Acesso em: 23/07/2020. [2] Nota Técnica n.º 8/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ
[3] Tendo em vista que a UFIR foi extinta, a Fundação Procon/SP, através da Portaria Normativa nº 45/2015, substituiu o índice de correção monetária da UFIR pelo IPCA-e. Considerando que este índice tem divulgação trimestral, significa que, a cada três meses, poderá haver alteração para mais ou para menos, dependendo da inflação ou deflação do período. Exemplo: considerando o índice do mês de julho/2019, o valor mínimo da multa é de R$ 665,42 (seiscentos e sessenta e cinco reais e quarenta e dois centavos) e o valor máximo é de R$ 9.964.615,77 (nove milhões, novecentos e sessenta e quatro mil, seiscentos e quinze reais e setenta e sete centavos).
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