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Shakira, Casio, Renault Twingo e outras novelas: posso citar marcas de terceiros em uma canção?



Por: Natália Figueiredo


A vida pessoal da pop star Shakira está atualmente nos holofotes após a cantora divulgar seu novo hit BZRP Music Sessions #53. Após a traição do agora ex-marido, o ex-jogador, Gerard Piqué, com a jovem Clara Chía Martí, a colombiana lançou uma música de desabafo. Em um dos trechos, Shakira lança indiretas a Piqué, indicando que ele trocou uma Ferrari por um Twingo, um Rolex por um Casio ("Cambiaste un Ferrari por un Twingo. Cambiaste un Rolex por un Casio"). As empresas detentoras das marcas, Renault e Casio, imediatamente responderam à letra da música de formas variadas em posts nas redes sociais. Também circulam notícias de que pessoas estariam criando perfis falsos em nome da Casio e Renault nas redes com outros posts com supostas respostas à música de Shakira, o que tem causado desinformação sobre o que realmente as empresas postaram como resposta às comparações entre marcas feitas pela Shakira em sua nova música. Com toda essa confusão que mistura vida pessoal de pop star, traição, vingança, tablóides e agora as marcas envolvidas na canção, pergunta-se: Shakira poderia ter feito menção a marcas de terceiros na sua música sem o consentimento dos titulares da marca Twingo e Casio? Sob a perspectiva do Direito brasileiro, a Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9279/96) traz dispositivo que se relaciona com a questão: Art. 132. O titular da marca não poderá: IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.


A jurisprudência, ao interpretar tal dispositivo, em geral, entende que esse tipo de menção à marca se insere no campo da liberdade de expressão do autor, insuscetível de causar prejuízo à reputação da pessoa jurídica. Não havendo a citação da marca um viés relacionado à concorrência desleal ou o intuito de ferir sua reputação, não haveria qualquer problema em fazer alusão à marca de terceiros nos contextos estipulados no artigo ora citado.[1]


Embora o dispositivo legal mencionado não preveja de forma explícita a possiblidade de citar marcas em obras artísticas, mencionando apenas “discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação”, a racionalidade é a mesma: protege-se a liberdade de expressão de quem não tem a intenção de violar a reputação ou o caráter distintivo da marca ou estabelecer uma situação de concorrência desleal.


No caso, em questão, seria difícil alegar que a música de Shakira fere a reputação ou o caráter distintivo das marcas Renault Twingo e Casio. É senso comum que essas marcas fazem parte de um segmento popular. A comparação com a Ferrari e Rolex, marcas de luxo, simplesmente é uma metáfora criada pela música: Piqué trocou algo de luxo, mais valioso, por algo popular, menos valioso.


Não nos parece que uma marca popular possa sentir-se ferida porque alguém afirmou que ela é mais barata, com qualidade inferior ou menos valiosa que uma marca do segmento de luxo/premium. Trata-se de um fato notório. Cada uma se posiciona em um segmento e atrai públicos distintos. Ademais, não se poderia falar que Shakira cometeu concorrência desleal, pois não atua nos mesmos segmentos da Casio e da Renault.


Trata-se, em nossa opinião, de uma citação espontânea às marcas Casio e Renault Twingo em versos que buscam a linguagem do cotidiano e procuram traduzir os sentimentos de uma mulher em sofrimento.

Com relação a terceiros que criam perfis falsos em nome da Casio e da Renault, a responsabilidade recai exclusivamente sobre esses terceiros, que disseminam as informações falsas sobre as empresas.


Com isso, esperamos ter esclarecido esta questão legal interessantíssima que surgiu a partir de todo afã causado pela música de Shakira. E demonstrando deferência à diva pop, terminamos aqui como ela encerra sua canção. “¡Ya está, chao!”


*Natália de Lima Figueiredo é advogada da Figueiredo Law Advocacia e professora em Direito da Propriedade Intelectual na Universidade São Judas Tadeu. É formada pela Universidade São Paulo com Doutorado na Universidade de Maastricht e é fã da Shakira.

[1]TJSP; Apelação Cível 1018661-12.2019.8.26.0562; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Santos - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/10/2022; Data de Registro: 31/10/2022; Apelação Cível Nº 0143247-85.2010.8.19.0001 – 10ª. Câmara Cível – T.J.R.J. – Relator: Des. José Carlos Varanda – 25.3.2015.

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